segunda-feira, 20 de junho de 2011

Lanche da tarde

Era uma tarde de outono. Eu fazia pequenas compras em um hipermercado quando decidi sentar-me em uma das dezenas de mesas da praça de alimentação. À minha frente, chega um casal de senhores lá pela faixa dos 70 anos. Depois de pedir dois pastéis e algo para beber, acomodam-se, ajeitando-se entre algumas sacolas de compras. O pedido chega à mesa. Para acompanhar, cerveja. E eu fico ali a contemplá-los em sua simplicidade. Calma e amorosamente, o senhor com casaco de lã verde compartilha aquele momento tão singelo com a esposa, de cabelos grisalhos levemente penteados para trás.  Os dois trocam alguns olhares e palavras. A cada bocada, a massa esfarela por toda a roupa do marido, além de se esparramar pela mesa e pelo chão. A senhora, com doçura, não interfere. Permite-lhe. O pastel acaba, o copo aos poucos fica vazio. Antes de sairem, ela o ajuda a retirar os farelos de sua "travessura" de fim de tarde. Os dois levantam-se. Ele oferece apoio à amada e os dois saem caminhando, aos passos de quem tem nos braços um amor construído a cada dia, durante anos e anos, a cada parada para um pastel.

Um casal que age com carinho e generosidade nas situações
corriqueiras é invencível nas grandes batalhas.

A lembrança desta cena ficou em minha memória por um bom tempo, talvez uns dois anos. Passados alguns outonos, ainda me traz bons sentimentos.

O amor verdadeiro pouco tem a ver com romances cinematográficos, de novela ou livros. Pode até encontrar neles alguns fragmentos de sua manifestação. Mas não está ali, e sim em cada dia, cada gesto. Seus tijolinhos são assentados com dedicação, respeito e cumplicidade, que devem estar presentes em cada momento, seja ele uma grande batalha ou um almoço de domingo. E esse talvez seja o maior desafio. O almoço de domingo. A nota vermelha do filho. A noite exausta de sexta-feira. Fazer de cada dia uma nova oportunidade para que o amor permaneça e torne-se ainda mais forte. Encontrar nos conflitos mais nebulosos ou situações do cotidiano o brilho e acalanto do sentimento mais puro.  Saber que o amor se faz, sente e eterniza em conjunto, resignando-se de qualquer egoísmo e orgulho.

Eu não sei se este casal enfrenta todas as situações com tal companheirismo, nem há quanto tempo estão juntos, para onde vão, o que sentem. Mas sei que este momento deve ser multiplicado, e acho que eles devem estar fazendo isso agora...



Miriam Bonora

2 comentários:

  1. Lindo, lindo, lindo! Lembro-me de quando me contou essa história. Cadê a divulgação deste texto? Todo mundo tem que ler! Sua visão de amor... a dois... é exatamente a que tenho. Cada gesto, dificuldade... Cada permitir... Abraço!

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  2. Que bom que gostou Isa!
    Me conforta saber que não sou a única a sentir assim!
    Eu torço para que um dia esse amor verdadeiro, que vai além dos relacionamentos amorosos, seja multiplicado e encontre morada em cada vez mais corações!

    bjos

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