segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Mano.

Treze dias depois de eu completar um ano de vida, ele abria aqueles enormes olhos pela primeira vez... Meu irmão de sangue.

A gente já viveu tantas coisas juntos... Quantas brigas por causa do canal de TV, do banco da frente nos passeios de carro...

Quantas loucuras, conversas e travessuras.

Éramos o terror da van que nos levava até a escola. Éramos o terror das empregadas domésticas. Éramos o terror de qualquer lugar onde estivéssemos!

A história para guardar num potinho, dentre tantas que poderiam simbolizar nossa ligação, é essa: o dia em que nós, ultra-jovens (na época, criança que não era adolescente mas não queria mais ser criança era chamada assim), resolvemos dar um rolê no centro da cidade com meias coloridas penduradas nas orelhas. Sim! Imaginem a cena. Fomos a sensação nos ônibus, nas ruas, por onde passamos: sucesso total!

Não tínhamos um porquê, não era um protesto. Mas nascemos assim, com essa atração natural pelos centros das atenções. Amamos aparecer...

Por essas e outras é que tenho a certeza de que só ele pode me entender completamente em todos os meus devaneios, crises e dúvidas sem pé nem cabeça.

... Somos o espelho um do outro. Quando imagino que algo é incompreensível aos outros, sei que a ele não é. Mesmo que ele não saiba de tudo da minha vida, mesmo que eu não saiba de tudo da vida dele, sabemos, por simplesmente saber, que teremos um ao outro quando precisarmos, na hora em que precisarmos, para o que precisarmos...

Hoje sinto por ele coisas que jamais imaginei. Como falta e orgulho... Amo demais esse cara... Meu irmão é fera!

Isabella

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Intensamente leve

          Eu me lembro da primeira vez que ouvi falar dela. Uma amiga me pedia que cuidasse bem daquele “tesouro”, que mudaria para o meu turno, matutino. Sem fazer ideia de quem ela era, disse que, claro, seria bem recebida. Passaram-se algumas semanas até nos aproximarmos. E não poderia ser de outro modo: as viagens das aulas de Sociologia. Compartilhávamos visões parecidas, e principalmente, questionamentos semelhantes sobre o mundo, as relações humanas, o viver. 

          E de conversa em conversa, percebemos o quanto éramos parecidas, e também diferentes. Diferença que auxilia uma à outra em nossas jornadas, que fortalece os laços de amizade, que ensina. Sempre vou lembrar-me de suas saias esvoaçantes, as rasteirinhas e os brincos de natureza. E mais ainda de seu sorriso espontâneo, de sua energia vibrante e amizade verdadeira. De seu amor pelos seres, pelo conhecimento, pela vida.

          Ela é como uma vela que nunca acaba, e que eu acendo sempre em meu coração. Que me faz acreditar no mais puro dos sentimentos, na amizade que se constrói com carinho, compreensão, consideração, respeito e simplicidade. 

          Quando algo me faz feliz, logo corro para compartilhar minha alegria, pois sei que ela será multiplicada. E quando entristeço, sei que ela me confortará, ouvindo e me dando um pouco de sua força, subtraindo minha dor.

          Admiro-a por ser tão leve, e tão intensa. Inteligente, elegante, e ao mesmo tempo, simples. Sei que ela ama com todo o coração, vive com toda a força de sua alma e aproveita cada momento como se fosse o único. 


          Que tem desafios, que erra, exagera, se desconcerta. E que já superou vários obstáculos, acertou, emocionou-se, amadureceu, viveu. E é por isso tudo que a amo. Quando olho em seus olhos, sei quem ela é, pois ela não se esconde nem finge... No máximo interpreta.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Despertar

by Sara Kaid Jounia, Oran, Algeria

       Eu vivia uma fase estranha. Quase de marasmo interno. Como se um controle remoto me direcionasse mais do que meus desejos e idealismos. Eu queria ir, mas não sabia bem como, não sabia mais ao certo “para onde” e tinha adormecido alguns sonhos que me eram tão nítidos... Restava-me uma vontade, uma chama que ainda iluminava meu espírito, mas que precisava de mais força para iluminar meus passos.

       É nessas horas que uma força superior te coloca algumas coisas e pessoas no caminho, para ver se você acorda. Foi quando uma em especial apareceu para ajudar. Dizia-me coisas que eu precisava ouvir de novo. Com suas reflexões, provocava-me a mudar, a questionar o que eu estava fazendo com a minha vida, com meus sonhos.

       Essa é a palavra: sonhos! Eu havia cortado minhas asas. Já tinha programado toda a minha vida, como se ela fosse um filme, dos mais previsíveis. E eu precisava que alguém me mostrasse aquilo de novo, as conexões, os mergulhos mais profundos do verbo SER.

        Era como se estivesse com saudades de mim mesma, tentando me desprender de amarras que me foram colocadas ao longo da vida, por outros e por meus próprios medos. Precisava acreditar que podia mais, que era forte o bastante para ser o que queria ser. E para descobrir o que eu nem sabia que era. Precisava que alguém me sacudisse e acreditasse na minha capacidade de realização. E essa pessoa acreditou, bem mais do que eu. Enxergava o que eu não conseguia mais ver. Me cutucou, e de um jeito sutil me disse: “Vai em frente, sonhe, descubra-se. Você é melhor do que pensa ser.”

       Depois de percorrer toda uma jornada interna, de ter sofrido muito com as rupturas, descoberto meus defeitos e qualidades, hoje posso dizer que cresci muito. E isso com a ajuda de várias pessoas, situações, experiências. Mas eu sempre vou me lembrar de uma em especial. Vou lembrar-me de quando isso começou. E de não suprimir os voos mais altos e ousados, de manter minhas crenças e amores bem perto de mim, e de estar aberta para o melhor da vida.

       Só fico triste em perceber que esta mesma pessoa parece não ter mergulhado tanto. É como se tivesse mudado de verbo e se perdido no caminho. Como se tivesse adormecido o que me iluminou um dia. E eu rezo para que um dia algo ou alguém o desperte e o traga de volta ao seu verbo mais bonito e verdadeiro. Tal como um dia aconteceu comigo...

Míriam Bonora

Diferente.

Foi quando ela estendeu a mão para quem eu havia deixado na mão... que eu olhei para ela, pela primeira vez e ainda relutante, de modo diferente.

Homenagem atrasada. Gratidão sem preço.

Isabella

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Quero guardar pessoas e suas histórias

Por muito tempo hesitei em escrever para o “potinho”. Na verdade, ainda não tinha descoberto aquilo que queria guardar nesse relicário. Mas nessa busca intrapessoal, descobri que quero guardar pessoas. E eu não estou falando de sentimentos pelas pessoas, mas estou falando delas mesmas. Pode parecer uma teoria meio canibalesca, mas de fato me interesso pelas pessoas e por suas personalidades, humores, sonhos, tristezas, etc.    
Quero guardar cada pessoa que perguntei a hora no ponto de ônibus e que puxei assunto para não tornar a espera tão difícil. Quero guardar minha mãe e o cheiro e o gosto de sua comida. Meu pai e seus resmungos logo quando acorda. Ah... queria me guardar também, para revisitar-me de vez em quando. Rir das idiotices, chorar pelas perdas e agradecer a mobilidade da vida. Queria guardar minhas roupas preferidas, minha canetas preferidas, meus desenhos preferidos. Entretanto não queria guardar tudo isso para lamentar o tempo que passou, mas para saudar a vida. Apenas isso.
Há mais de um ano escrevi um texto sem muito motivo, mas pela santa tecnologia pude guardá-lo no meu potinho chamado “computador”. Segue em anexo. Segue sem nexo. Enfim, é este abaixo:


“A viagem”
Mais uma viagem.
Subi no ônibus, cumprimentei o motorista, e no corredor daquela minhoca com rodas, vi pessoas sentadas, almas cansadas, rostos que jamais tinha visto e que jamais tornaria a ver. Triste pensar assim, pensei. Quantas pessoas não passam por nós e sequer notamos a sua presença? Então naquele momento resolvi fazer diferente, resolvi ser diferente. Esbocei um sorriso à todos que estavam ali. A recíproca foi verdadeira, mas somente para alguns. Continuei caminhando à procura do meu lugar. Poltrona 25. Janela. Sentei. E por sorte ou não, não tinha ninguém ao meu lado, ninguém para compartilhar as horas da minha viagem. Abri um livro. “A metamorfose” de Franz Kafka. Leitura difícil para uma estrada esburacada. Uma página, duas, trê...ah chega! Não estou entendendo nada! Vou deixar os dramas da sociedade e a morbidez de Samsa para depois. Tentei dormir um pouco. Foi em vão. Meus olhos me enganavam cada vez que se fechavam. Olhei para janela. Ainda faltava muito tempo para chegar. O calor tinha aumentado, o barulho também. Crianças chorando. Moscas zumbido. Pessoas falando. E eu ali, imóvel, quase que inerte a vida. Retornei meu olhar à janela. Estávamos passando por uma vila. Que outrora nunca tinha notado. Casas simples, poeira. Casas feitas de poeira. Imaginei-me em um lugar assim. Seco, árido, triste. Quase como uma fotografia envelhecida. É isso. A paisagem me remetia à uma fotografia envelhecida, uma fotografia em sépia. Aquelas que ficam guardadas dentro de uma caixa, e inevitavelmente, um dia você se lembra e recorre, para abastecer as suas lembranças. A foto não era só paisagem, existiam pessoas e animais. Pessoas com corpos pesados, sujos, suados. Existia olhar. Já o olhar era cheio de vida, cheio de história. A vila foi passando pela janela, assim como aquelas histórias. Perguntei-me: Quantas histórias não passam por nós? Quantas histórias não passam por nossas janelas? Por nossos olhos, nossa janela da alma? Marias e Josés. Amores e desencontros. Felicidades. Tristezas.
Ao perder a vila de vista, um homem de meia idade interrompeu meu pensamento: “Posso me sentar aqui?”, perguntou. “Claro.”, respondi. Por um instante nem olhei para o senhor que pra mim, tinha cara de José. Mas depois a curiosidade me levou a olhar para sua mala, que estava cheia como quem trouxe tudo que pudera. “O senhor vai ou vem?”, perguntei. Ele respondeu com um largo sorriso e um brilho incomparável no olhar: “Volto!”. Pronto. Estabeleci um diálogo.
- Volta pra onde?Se não for incomodo responder...
–   Volto pra casa. Pra casa!
–   E há muito o senhor não volta pra lá?
–   Tanto que a saudade não é capaz de contar!
–   E o senhor vem de onde?
–   Venho de longe... tão longe que as lembranças não me deixarão esquecer!
–   O senhor fala bonito. Trabalha em que? Com quem?
–   Com vida! Com almas... Desculpe-me meu ponto é o próximo. Passe bem!
–   Mas eu...
  Antes mesmo que eu pudesse perguntar seu nome ele se foi. Assim como chegou.
Fiquei só de novo. Apenas amiga dos meus devaneios. O que será que ele levava naquela mala? Pra quem levava? Será que esse alguém estava a sua espera? Será que era merecedor de tanta ansiedade? Fiquei me perguntando e logo palpitei em pensamento. Eu acho que o senhor “José” trazia amor, trazia vontades, trazia histórias! Infelizmente eu não sei. Nunca vou saber. Só poderei imaginar!
O resto da minha viagem foi isso: Uma grande viagem dentro de mim mesma!
Enfim meu ponto chegou. Não tinha ninguém me esperando. Se quer sabia pra onde ia. Por um momento pensei em ficar. Esquecer tudo que tinha visto. Mas a alma gritava que não. Voltei. Subi no próximo ônibus que passou. Não sei pra onde vou. Nada me importa. Só eu sei o drama que cultivo. Fui. Pra uma nova viagem. Uma nova descoberta. Uma velhinha sentou ao meu lado. Aposto que seu nome é Maria. Dessa vez não vou hesitar em perguntar. Ah... ela tem uma bolsa, que com certeza está cheia de histórias para minha Viagem de volta à lugar nenhum.

É isso que eu quero para minha vida! Conhecer e acumular histórias. Acho que escolhi as profissões certas. Sou jornalista para descobrir e contar histórias e sou atriz para interpretá-las....

Por Rafaele Breves

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Dança

Um dia abri o jornal e logo me deparei com uma notícia sobre aulas de dança gratuitas. Decidi que finalmente sairia do “dois pra lá, dois pra cá”. Só não imaginava que aprenderia muito mais do que dançar. O projeto, mantido pela prefeitura, era voltado aos adolescentes, mas a maior parte dos alunos era de jovens com mais de quarenta anos. Como havia muitas pessoas na fila de espera para a dança de salão, a organização decidiu criar duas turmas, dividindo por faixas de idade.

Colorful wind - Aulona Goxhaj. Fier, Albania
Eu optei por ficar na turma dos jovens mais experientes, pois o horário me permitia também participar das aulas de jazz. É claro que a diferença era nítida quanto à evolução dos passos, viradas e coreografias.

Mas era ali, junto àquelas pessoas, na maioria mulheres, que eu pude experimentar algumas das sensações mais gratificantes da dança. 


Como eu tinha facilidade em aprender os novos passos e também agilidade, por ser mais nova, acabava por fazer dois papéis: de condutora e de conduzida. Afinal, como não era de se estranhar, havia poucos homens.

Eu vivia as duas sensações dos movimentos. Aprendi que com elas deveria ter calma e não atropelar seus passos com meu ritmo acelerado. Adaptava-me a seus limites. De aula em aula, cada uma delas evoluía no seu tempo e compasso. E eu me sentia honrada em fazer parte daqueles momentos.

Durante as aulas de jazz, em que a turma era quase a mesma, elas se mostravam igualmente dedicadas. Eram mais de três horas ininterruptas de atividade, entre as duas modalidades, e elas mostravam uma energia tão intensa que pareciam garotas de 12 anos. Encantava-me a vontade e a alegria que elas tinham em estar ali, em aprender a coreografia, em remexer os corpos, em estarem reunidas.

É claro que não era sempre um mar de rosas. Havia cansaço, um pouco de dor, dificuldade em fazer braços e pernas coordenarem os movimentos que o cérebro os mandava executar. Mas os sorrisos e o brilho no olhar voltavam sempre.

Não havia o fardo de mostrarem-se umas melhores que as outras, de conquistar uma posição de sucesso ou qualquer status tolo que nós “jovens” queremos tanto, e pelo qual nos estressamos tanto. Elas eram o que sua força interior as dizia para serem. Buscavam a evolução a partir dos degraus que elas haviam alcançado, sem olhar para os lados ou para trás. Simplesmente dançavam suas vidas da melhor forma possível, com a leveza de quem é feliz apenas por estar em movimento, por sentir... e por compartilhar o espetáculo de suas vidas.

Por Míriam Bonora