quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Quero guardar pessoas e suas histórias

Por muito tempo hesitei em escrever para o “potinho”. Na verdade, ainda não tinha descoberto aquilo que queria guardar nesse relicário. Mas nessa busca intrapessoal, descobri que quero guardar pessoas. E eu não estou falando de sentimentos pelas pessoas, mas estou falando delas mesmas. Pode parecer uma teoria meio canibalesca, mas de fato me interesso pelas pessoas e por suas personalidades, humores, sonhos, tristezas, etc.    
Quero guardar cada pessoa que perguntei a hora no ponto de ônibus e que puxei assunto para não tornar a espera tão difícil. Quero guardar minha mãe e o cheiro e o gosto de sua comida. Meu pai e seus resmungos logo quando acorda. Ah... queria me guardar também, para revisitar-me de vez em quando. Rir das idiotices, chorar pelas perdas e agradecer a mobilidade da vida. Queria guardar minhas roupas preferidas, minha canetas preferidas, meus desenhos preferidos. Entretanto não queria guardar tudo isso para lamentar o tempo que passou, mas para saudar a vida. Apenas isso.
Há mais de um ano escrevi um texto sem muito motivo, mas pela santa tecnologia pude guardá-lo no meu potinho chamado “computador”. Segue em anexo. Segue sem nexo. Enfim, é este abaixo:


“A viagem”
Mais uma viagem.
Subi no ônibus, cumprimentei o motorista, e no corredor daquela minhoca com rodas, vi pessoas sentadas, almas cansadas, rostos que jamais tinha visto e que jamais tornaria a ver. Triste pensar assim, pensei. Quantas pessoas não passam por nós e sequer notamos a sua presença? Então naquele momento resolvi fazer diferente, resolvi ser diferente. Esbocei um sorriso à todos que estavam ali. A recíproca foi verdadeira, mas somente para alguns. Continuei caminhando à procura do meu lugar. Poltrona 25. Janela. Sentei. E por sorte ou não, não tinha ninguém ao meu lado, ninguém para compartilhar as horas da minha viagem. Abri um livro. “A metamorfose” de Franz Kafka. Leitura difícil para uma estrada esburacada. Uma página, duas, trê...ah chega! Não estou entendendo nada! Vou deixar os dramas da sociedade e a morbidez de Samsa para depois. Tentei dormir um pouco. Foi em vão. Meus olhos me enganavam cada vez que se fechavam. Olhei para janela. Ainda faltava muito tempo para chegar. O calor tinha aumentado, o barulho também. Crianças chorando. Moscas zumbido. Pessoas falando. E eu ali, imóvel, quase que inerte a vida. Retornei meu olhar à janela. Estávamos passando por uma vila. Que outrora nunca tinha notado. Casas simples, poeira. Casas feitas de poeira. Imaginei-me em um lugar assim. Seco, árido, triste. Quase como uma fotografia envelhecida. É isso. A paisagem me remetia à uma fotografia envelhecida, uma fotografia em sépia. Aquelas que ficam guardadas dentro de uma caixa, e inevitavelmente, um dia você se lembra e recorre, para abastecer as suas lembranças. A foto não era só paisagem, existiam pessoas e animais. Pessoas com corpos pesados, sujos, suados. Existia olhar. Já o olhar era cheio de vida, cheio de história. A vila foi passando pela janela, assim como aquelas histórias. Perguntei-me: Quantas histórias não passam por nós? Quantas histórias não passam por nossas janelas? Por nossos olhos, nossa janela da alma? Marias e Josés. Amores e desencontros. Felicidades. Tristezas.
Ao perder a vila de vista, um homem de meia idade interrompeu meu pensamento: “Posso me sentar aqui?”, perguntou. “Claro.”, respondi. Por um instante nem olhei para o senhor que pra mim, tinha cara de José. Mas depois a curiosidade me levou a olhar para sua mala, que estava cheia como quem trouxe tudo que pudera. “O senhor vai ou vem?”, perguntei. Ele respondeu com um largo sorriso e um brilho incomparável no olhar: “Volto!”. Pronto. Estabeleci um diálogo.
- Volta pra onde?Se não for incomodo responder...
–   Volto pra casa. Pra casa!
–   E há muito o senhor não volta pra lá?
–   Tanto que a saudade não é capaz de contar!
–   E o senhor vem de onde?
–   Venho de longe... tão longe que as lembranças não me deixarão esquecer!
–   O senhor fala bonito. Trabalha em que? Com quem?
–   Com vida! Com almas... Desculpe-me meu ponto é o próximo. Passe bem!
–   Mas eu...
  Antes mesmo que eu pudesse perguntar seu nome ele se foi. Assim como chegou.
Fiquei só de novo. Apenas amiga dos meus devaneios. O que será que ele levava naquela mala? Pra quem levava? Será que esse alguém estava a sua espera? Será que era merecedor de tanta ansiedade? Fiquei me perguntando e logo palpitei em pensamento. Eu acho que o senhor “José” trazia amor, trazia vontades, trazia histórias! Infelizmente eu não sei. Nunca vou saber. Só poderei imaginar!
O resto da minha viagem foi isso: Uma grande viagem dentro de mim mesma!
Enfim meu ponto chegou. Não tinha ninguém me esperando. Se quer sabia pra onde ia. Por um momento pensei em ficar. Esquecer tudo que tinha visto. Mas a alma gritava que não. Voltei. Subi no próximo ônibus que passou. Não sei pra onde vou. Nada me importa. Só eu sei o drama que cultivo. Fui. Pra uma nova viagem. Uma nova descoberta. Uma velhinha sentou ao meu lado. Aposto que seu nome é Maria. Dessa vez não vou hesitar em perguntar. Ah... ela tem uma bolsa, que com certeza está cheia de histórias para minha Viagem de volta à lugar nenhum.

É isso que eu quero para minha vida! Conhecer e acumular histórias. Acho que escolhi as profissões certas. Sou jornalista para descobrir e contar histórias e sou atriz para interpretá-las....

Por Rafaele Breves

Nenhum comentário:

Postar um comentário